Desde a antiguidade já havia certa preocupação com o estado melancólico, Epicuro (IV a.C), filósofo hedonista e grego construiu uma escola filosófica que pregava a ataraxia; filosofia na qual a alma deve afastar as inquietações, dores melancolias causadas pelas frustrações que a vida civilizada produz dentro da alma. A filosofia epicurista consistia em ouvir os temores da alma e depois confronta-los em busca de equilíbrio (ataraxia), assim a alma deveria seguir seu objetivo de estar em comunhão com o prazer à medida que se afastava da dor.

Atualmente, tal como Freud havia anunciado, a civilização tem confrontado o indivíduo com inúmeras demandas que fomentam na alma uma insaciável busca por cumprir as metas os objetivos declarados no modelo social da vida contemporânea. Ser uma pessoa de sucesso implica em conseguir realizar estas demandas, seja na esfera profissional ou pessoal. É notório que ao passo que a sociedade se define dentro do modelo “orgânico” (Durkheim) em detrimento do “mecânico”, o indivíduo passa a vivenciar mais conflitos entre aquilo que é desejável e o que é realizável (Freud – Princípio do prazer).

Para Rousseau, o ser humano é bom em sua alma, contudo o processo civilizatório o corrompeu, dando ao indivíduo uma condição de status de poder a medida que esse tivesse maior controle de suas propriedades, assim, a sociedade estaria fadada à desigualdade. Não obstante, Marx declara que o capital, bem como sua dinâmica de poder exercem uma influencia negativa na alma do indivíduo, uma vez que essa dinâmica é basicamente uma relação de opressão e dominação sobre todo o trabalhador (massa). Deste modo, o proletário teve travar uma luta contra seu opressor, a fim de se ver livre desse mal chamado de “capitalismo” e caminha em direção ao comunismo.
Em suma, até o momento, vale considerar que desde a antiguidade, muitos filósofos e pensadores contemporâneos destacam a influência da civilização sobre sanidade da alma (psique). De modo que no processo civilizatório houve um crescente de problemas no que se refere a saúde psíquica (OMS, 2019), logo, é necessário que o campo de estudos da psique também avance na compreensão dos fenômenos psíquicos e suas estruturas. A psicanálise nasce dessa necessidade de compreensão e cuidado terapêutico daqueles que se encontravam carentes de saúde psíquica.
A partir de Freud, em sua segunda tópica, quando o termo angustia (Angst) é introduzido a expressão traz consigo o sentido conotativo (tomando por base o termo alemão) de ansiedade, mas também de uma condição carência no sentido existencial. Na primeira leitura freudiana, a angústia é tratada como excesso de energia pulsional (libido) e está ligada a uma vida insatisfatória sexualmente que precisa ser descarregada. Posteriormente, Freud reelabora sua teoria tendo como base o recalque. Assim, a angustia tem sua origem no afeto que se encontra desassociado de sua representação inicial, de modo que esse afeto recalcado seria direcionado ao pré-consciente e consciente como um elemento carente de vínculo, produzindo o sentimento de angustia. Ademais, Freud acrescenta que a angústia de origem traumática tem a função de profilática, já que o estado angustiante passa a existir a fim de evitar a revivência ou representação do fato traumático.
Em Mal-estar da civilização (1930), encontra-se a tese na qual o autor discute o papel da civilização e das estruturas sociais na produção do sentimento de desamparo, que, de acordo com Freud, acorre pois, a civilização estabelece desde os primeiros momentos da vida do indivíduo uma série de demandas e em contraponto não oferece acolhimento, pelo contrário, estabelece metas para que sejam cumpridas diariamente. Assim, o sujeito passa grande parte de sua vida psíquica buscando conciliar essas demandas com a resolução das mesmas.
O sentimento desamparo se dá de múltiplas formas; a princípio, o ser biológico humano necessita de muitos cuidados em seus primeiros meses de vida, essa necessidade de ser cuidado, tanto na esfera física quanto na psíquica está presente no cotidiano de qualquer criança. Existe em cada um de nós a necessidade de ser amado e acolhido, entretanto nosso modelo de relações sociais está alicerçado no individualismo e na meritocracia, isso gera o mal-estar, esse sentimento de desamparo, de que não se é amado o suficiente e a carência de receber a aprovação social pelo desempenho obtido em nossas atividade diárias.
Observa-se que o sujeito tem em si uma questão central: O que o outro espera de mim? Fundamentalmente, do ponto de psicanalítico, o ser-humano precisa do outro para sobreviver e construir seu campo simbólico, isso inclui suas carências, expectativas, e todo arcabouço de valores que cada indivíduo necessita para sua formação física e psicológica.
Como já foi dito, a problemática da elaboração do sentimento de angustia instala-se a partir do medo de não corresponder as demandas sócias e da necessidade de se manter aquilo que se tem, ou seja, do medo da perda. Freud(1930) destaca em Mal-estar da civilização, que o processo civilizatória trouxe para cada indivíduo a tarefa de buscar e manter elementos que fazer parte do cotidiano da vida civilizada, e essa tarefa que coloca o aparelho psíquico em constate estado de medo, uma vez que há preocupação de manter esses objetos.
É na sociedade civilizada que surgem os grupos que partilham a angustia como forma de movimento social, tais como: os hippies, os góticos, os roqueiros, os usuários de drogas, os motoqueiros. De certa maneira, para se distanciar da angustia, cada grupo ou indivíduo vai em direção daquilo que lhe(s) dá prazer. A liberdade hippie, a música, as drogas, o pilotar de uma moto, são maneira de lidar com o sentimento de desamparo. Angustia lançou a civilização para uma busca obcecada pelo prazer, isso, de tal modo, que o prazer precisar estar constantemente sendo vivenciado em negação do sentimento de angustia. Em suma, o prazer desesperadamente aclamado, também tem sua concepção na civilização, no medo, e no afan de não lidar com a angustia. Freud escreve:
A angustia é uma reação a uma situação de perigo. Ela é remediada pelo ego, que faz algo a fim de evitar essa situação ou para afastar-se dela… Seria mais verdadeiro dizer que se criam sintomas a fim de evitar uma situação de perigo cuja presença foi assinalada pela geração de ansiedade. (1926, p. 152)

Os apontamentos freudianos descrevem a angústia como um sentimento de desamparo, uma condição de quem não tem algo para se apoiar, pois, o que tinha chegou ao fim, ou se perdeu. Então, como não se quer vivenciar esse medo, o ego busca remediar a condição a medida que recorre ao prazer. O fim de algo é sempre angustiante. Assim, Freud chega a conclusão de que a angustia pode vir a fomentar patogenias como os transtornos de humor e depressivos. É importante destacar que o princípio básico do tratamento adotado pelo pai da psicanálise é a fala, visto que é nesse processo que o analisando vem expurgar fragmentos dessa angústia em um processo de autoconhecimento que torna os fatores angustiantes que estão no inconsciente mais compreensíveis.

Referências Bibliográficas:

FREUD, Sigmund. 1976 – Inibições, sintomas e ansiedade. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 20). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho de 1926)
FREUD, Sigmund. Mal-estar da civilização. 1930